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Famílias em casa na pandemia. O que a escola de Educação Infantil pode fazer?

Por Gabriel de Andrade Junqueira Filho

Queridas e queridos colegas da Educação Infantil, familiares das crianças, comunidade em geral, Tenho acompanhado pelas redes sociais os questionamentos, conflitos, posicionamentos e debates em relação às diferentes demandas das famílias junto às escolas de Educação Infantil e as conseqüentes orientações das escolas junto às famílias, nesse período de confinamento em casa, em decorrência da pandemia causada pelo coronavírus. É um desafio para todos nós – escolas, famílias, comunidades, governantes e, talvez, principalmente, para as crianças –, diante do inusitado e da gravidade da situação. Estou há algumas semanas refletindo e me cobrei uma sistematização e um ponto de vista, que compartilho com vocês. Espero lhes fazer boa companhia, nessa hora em que os abraços e as conversas fazem tanta falta, tanto entre nós, profissionais dessa área, quanto entre nós e as crianças, entre nós e as famílias dos nossos alunos e as nossas próprias, entre nós e nossos amigos, entre nós e os desconhecidos pelos quais também somos responsáveis com as nossas condutas individuais como cidadãos e seres humanos. Recobrando minha trajetória na Educação Infantil – como professor de crianças, coordenador pedagógico, pesquisador e professor universitário nesta área, no curso de Pedagogia –, penso que: 1. Precisamos acolher as famílias que, por conta do isolamento social causado pela pandemia, têm, enfim, a chance de estar mais tempo em casa, de interagirem uns com os outros e exercerem os papéis de pai, mãe, filhos, irmãos. Isso é um aprendizado, principalmente para os pais de primeiro filho, e a escola de Educação Infantil, seja no período letivo, seja na pandemia, tem uma contribuição importante a fazer, via acolhimento, escuta, interlocução, orientações, sugestões em relação aos cuidados e educação das crianças. Pais apaziguados pelo interesse, disponibilidade e parceria da escola estarão mais próximos como casal – ou ex-casal, mas ainda pai e mãe – e, consequentemente, mais amorosos e continentes com as crianças; 2. Não há como transpor a escola para a casa, mas é importante lembrar que muito do que consideramos função social da Educação Infantil é também função das famílias, muito antes da instituição das creches e das pré-escolas: brincar com as crianças – ou organizar ambientes para que elas brinquem sozinhas ou entre si, sob a supervisão dos adultos –, contar histórias e conversar sobre elas, cantar com as crianças, ver filmes juntos e conversar sobre eles, preparar os alimentos com a participação das crianças, acompanhá-las durante as refeições, orientar para os cuidados com a higiene pessoal e a dos ambientes freqüentados por elas, organizá-las para os momentos de sono, deixar claras as regras dos adultos e convidá-las – e valorizar a capacidade delas – de fazer combinados em comum; estruturar a rotina do dia, convidando-as a participar ativamente das sugestões e decisões, conversar sobre o que quer que seja com elas... Não se trata, portanto, de indicar às famílias listas de atividades para entreter as crianças, ou para atender a aspectos distintos do desenvolvimento e da aprendizagem das mesmas, e sim, de indicar que embarquem nessa aventura fantástica e imprecisa, surpreendente e gratificante que é a educação de seus filhos, deixando claro às crianças o seu interesse por elas, o seu gosto de estar com elas, fazendo coisas que pais e mães, geração após geração, fazem na companhia de suas filhas e filhos. Ou que aproveitem o isolamento social compulsório para revisarem, analisarem, reinventarem e atualizarem, nas interações em família, as relações entre pais e filhos, a partir da sua própria família; 3. Para tanto, penso que é importante um canal aberto de comunicação entre família e escola, para reafirmar a importância do papel da escola e da parceria entre escola e família, no cuidado e na educação das crianças. Isso pode se dar a partir dos acordos que os diferentes profissionais da equipe da escola fizer entre si, talvez os mesmos que já se encontravam em funcionamento ao longo do ano letivo, ou criados especialmente para atender os desafios desse período de confinamento em casa. Por exemplo: agendamento de conversas via online, por câmera de Whatsapp ou Skype, no turno de trabalho dos profissionais da equipe, tanto para os pais conversarem com as professoras e professores, com a coordenação pedagógica ou educacional, direção, enfim, quanto para as professoras e professores conversarem com as crianças, se verem um pouquinho, para manterem o vínculo nesse período de distanciamento físico. Seria uma oportunidade singular para pedir às crianças que contem sobre o que estão fazendo em casa, mostrarem seus brinquedos, livros, suas casas, seus irmãos, seus animais de estimação... E a professora e o professor fazerem o mesmo, em relação às suas rotinas de confinamento em suas casas. Seria também uma oportunidade para, em horários previamente agendados, os pais conversarem com os profissionais da escola sobre assuntos pendentes que, na correria do dia a dia, não conseguiram ser abordados na escola. Conheço muitas escolas que, ao longo do ano letivo, fazem reuniões individuais com os pais para conversar sobre diferentes aspectos dos percursos das crianças na escola. Por que não fazer isso também no período de confinamento, via online, sempre com horários agendados? Tenho casais de amigos que estão organizando sessões de vídeo, via Whatsapp, com os pais dos colegas de escola de seus filhos e filhas, para que as crianças se vejam pela tela e conversem, brinquem umas com as outras, um pouquinho que seja. As avaliações deles é que as crianças se acalmam, se alegram, renovam os ânimos para continuarem enfrentando o confinamento em casa. A escola também pode ajudar gravando um vídeo orientando os pais sobre como abordar com as crianças o tema do coronavírus e da Covid-19, e o consequente isolamento social e demais cuidados, de modo que elas entendam por que estão em casa e não na escola, por que seus pais estão em casa e não no trabalho. Há também alguns materiais importantes produzidos por diferentes entidades a esse respeito, que podem ser avaliados, filtrados e enviados pela escola às famílias, via mídias digitais. Muitas idéias e alternativas estão surgindo a partir desse limite e, ao mesmo tempo, dessa oportunidade e necessidade de criação de novas maneiras de nos relacionarmos uns com os outros e com a gente mesmo; 4. No entanto, antes de qualquer coisa, penso que é importante avaliar como é que cada profissional da escola está lidando com essa situação imposta pelo coronavírus e pela Covid-19. Digo isso porque estamos diante de uma ameaça concreta de perdas, seja do semestre-ano letivo, seja de salário, de serviços, seja da nossa própria vida e a de pessoas que amamos. Cada um/a está lidando de um jeito com essa situação gravíssima e inusitada para todos nós – há quem nega, quem minimiza, quem entra em pânico, quem deprima... Então, não se pode pedir que uma professora ou uma diretora que está em sofrimento em decorrência desse contexto se exponha às crianças e a seus familiares, mesmo via online, pois se estivesse em sofrimento, por algum outro motivo, durante o período letivo, provavelmente, estaria em licença do trabalho para tratamento de saúde. O que eu quero dizer é que não é possível passar por esse contexto de pandemia sem refletir seriamente sobre perdas, sobre perder. Enquanto não significamos sobre os ganhos que essa pandemia já nos trouxe ou irá nos trazer, é sobre as perdas que precisamos nos deter. O que realmente não queremos perder – o semestre, o ano letivo, o casamento, os filhos, outras pessoas da família, os amigos, a nossa própria vida, da qual dependem, muitas vezes, as vidas de outras pessoas? Essa, para mim, nesse momento, é a pergunta mais importante a ser respondida, se realmente estivermos engajados, como família e como escola, no cuidado e na educação das crianças que estão sob a nossa responsabilidade. Vamos manter as escolas abertas via online, respeitando nossos horários de trabalho, interagindo com nossos colegas de equipe, com as crianças e suas famílias, tratando do presente e do futuro, não na perspectiva de compensação ou recuperação, mas de manutenção dos vínculos, de atualização dos afetos, nesse momento em que a vida está ameaçada e que todos nós precisamos tanto de todos nós. Gabriel de Andrade Junqueira Filho é pedagogo, mestre e doutor em Educação e professor na Faculdade de Educação da UFRGS.

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2 Comments


lucia_0707
Jun 19, 2020

A pergunta que nos coloca Gabriel Junqueira merece uma profunda reflexão...O que realmente não queremos perder – o semestre, o ano letivo, o casamento, os filhos, outras pessoas da família, os amigos, a nossa própria vida, da qual dependem, muitas vezes, as vidas de outras pessoas? Precisamos pensar a esse respeito. Estamos vivendo um momento único em todos os sentidos. Refletirmos sobre o que não queremos perder é a questão crucial. Obrigada pelo belo texto.

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maria_menezes
Apr 18, 2020

Gabriel de Andrade Junqueira Filho, em Infância e Educação, nos diz de forma clara e muito realista para o momento em que estamos vivendo com a pandemia do Covid 19.

O que o autor diz, nesta sua produção literária, não é novidade para nenhum de nós, mas se torna inusitado, uma vez que o que para nós é rotina, para os pais-responsáveis e família em geral, se torna um acontecimento que nenhum desses atores se sentem capazes de executar e\ou não têm paciência, até porque a ocasião deixa a todos tensos, preocupados, pois lhes falta tudo, se não estiverem em situação tão difíceis que o momento os obriga a ficarem em casa, ainda que lhes falte o dinheiro para…


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